Acerca daquilo

Deve ter sido alguém em algum dia antes de Cristo que percebeu que existiria fatos, sentimentos, crenças, preguiça, sem explicação.

A quem inventou a palavra coisa, meu respeito.

Você que é mal passada e que não vê

O título refere-se à liberdade de expressão que eu permito às pessoas.

É porque sempre achei que Elis Regina falava isso em um trecho de 'Como nossos pais', aquele que diz que 'Você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem'. Na minha tradução pessoal de português para português, ouvia 'Você que é mal passada e que não vê que o novo sempre vem'.

Achava até certa graça ela xingar a outra de mal passada e, quando a oportunidade surgisse, eu certamente esculhambaria alguém. A carne mal passada é quase crua e esse seria o sentido dado por mim, caso a lacuna de aproveitamento aparecesse na minha frente.

Desde então a carne tem se tornado presente nos meus pensamentos musicais. Faz pouco que pensei no abajur cor de carne de menina veneno e no desenrolar da ação tive certeza que ele não poderia estar em nenhum outro lugar, além do já colocado nesta canção.

Logo notei que não estava sendo fofa com Zezé de Camargo e Luciano o mesmo que fui com Elis - optei por não lembrar do abajur cor de carne nem em conversa de bar. Quem sabe na brincadeira de falar uma palavra e os outros competirem em lembrar uma música que contenha a tal.

Não sei se vocês sabem, mas quando você pega o telefone e ouve aquele tuuu interminável até soar os sinos numerais, ele se encontra em Lá. Bom para afinar o violão quem tiver ouvidos acostumados.

__________

Escrever enquanto pensa mostra quanta coerência ainda há em nós. Eu queria ver, sem me autotrapacear, aonde minha conversa chegaria. Se começaria a falar de coelhos e terminaria na revolução russa, no amendoim dos elefantes, na costa oeste do drama ocidental, no apocalipse dos salgadinhos vencidos.

É porque espero ansiosamente uma ligação e não pude me distrair enquanto escrevia. Disso eu quis me trapacear e falei de telefone agora há pouco. Enganar os outros dá pra ensaiar e tal; mas vai dizer para sua cabeça que quem tem pressa come cru?

Se você tiver pressa pode pular alguma etapa, não ver a minuciosidade intrínseca ao detalhe e perder o novo que sempre vem, Mal Passada.

Deu fome.




Eu, pra mim, sou problema seu

Sente no colo de uma amiga e diga batendo no peito: EU, PRA MIM, SOU PROBLEMA SEU.

Então se jogue como se não houvesse amanhã e veja ela dar um salto ornamental para sua cabeça não bater no chão.


Tente em casa.

Entre fotografias e marisco

Já era tempo que as terras de outro continente não lhe pertenciam mais. Assim como esqueceu-se de fincar a bandeira quando alcançou o topo (não sabia se o esquecimento era proposital ou não), limitou-se a ver as fronteiras ainda que as linhas imaginárias atingissem sua mente mas não o coração.

E nessas de se perder tão encontrada depois do oceano, deixou-se levar pela engrenagem evidente falha mas contínua, onde quando poeira desacelera, uma boa noite de sono trata de repor e de encontrar energias e de tirar a ferrugem e de esconder o tétano.

É porque tratou de ver aquele filme cena por cena para ter certeza que no geral, os detalhes não deixavam-lhe mentir – era mesmo especial. Esqueceu-se de tanta coisa, que não foi capaz de lembrar que aquilo poderia não dar certo – brincava com metades, como sim e não. Mas sequer imaginava.

Quando lhe ocorria, procurava alguma rápida distração de ater-se, disfarçando, ainda que de si mesma, em um gostoso embalo que lhe trazia criatividade e lhe garantia boas noites dançantes – a dormir com os pés doendo em uma liberdade de escolha interessante: pela primeira vez na vida, tudo que fazia atingia, acredite, apenas a si mesma.

E foi também por essa razão que lutou tão fielmente ao seu objetivo; cruzou o mapa mundi com um x vermelho, porque a volta, sabia de cor.

Assim pensava, assim mentia. Trouxe na mala histórias, fotografias e mariscos. Todos mortos, vistos por quem não se preocupa em saber onde ele começa, onde ele termina, onde, naquele negócio estranho, bate um coração.

Engolem-nos de uma vez só. Às vezes dois, três. E ela fazia isso com as histórias que lhe incomodavam – as engolia de uma vez só. Sem se preocupar em saber onde começam, onde terminam. Já não se importava mais.