Quantas pessoas são muitas?

Uma dúvida recorrente (e chata):

Quantas pessoas comentando sobre determinado assunto com a mesma opinião nas redes sociais configuram pauta?

Li manchetes da Madonna acusada de racismo com os filhos adotivos por uma foto postada por ela com eles massageando seus pés.

Acusada por quem? Por quantos que resolveram achar em conjunto alguma coisa só porque opinar é, assim, tão gratuito? O número é relevante?

Eu fico com a impressão de que 3 pessoas acharam isso porque calhou da pia não ter louça pra lavar, outras 15 leram esses comentários e acharam um absurdo, comentando contra estas primeiras. Outras duas disseram que hoje tudo se questiona e não emitiram opinião, e mais 8 ficaram na dúvida ao serem impactados por algum dos comentários todos. Foram lá conferir: cinco haviam criado a hashtag de repudio ao tema e tchanam: Madonna é acusada de racismo.

Sério, gente? Somos em sete bilhões.

Fiz as contas: ela tem 4 milhões de seguidores. Na foto dela tem 4 mil comentários, 0,1% das pessoas que a seguem. Destes 4 mil, não contei, obviamente, mas sendo otimista com a tese a favor das manchetes, vamos supor que os comentários se dividem entre quem achou racismo e quem achou absurdo achar racismo. 0,05% dos seguidores dela acharam então que ela foi racista. O valor disso no mundo? O mundo dividido por zero.

Não procuro culpados e, sim, cúmplices


Achei que era culpa do entrevírgulas. Preocupação se aquilo lá deve entrar ou não ou se, tão volátil a ponto de sair dali sem prejudicar o sentido, não merecia a aparição. E se já aceitaram “numa”; e se a gente se esquecer de um hífen, como quando enxerga mal e vai ao cinema, mas não leva os óculos. Seremos culpados ou seremos cúmplices do mau uso do português? E se nós, tendo que usar o português para dizer algo simples, mas que pode ser claramente desenhado pela imagem que habita todo atrás de nossas lentes, não precisarmos mais da aflição de que o que queremos dizer não ser discutido e, sim, a discussão pleitear a forma como dissemos. E se os passados imperfeitos não puderem ser corrigidos? Seremos nós, então, vítimas, culpados ou cúmplices dessa falta de assunto? E se for medo? E se dissermos algo que até o rei da escócia se orgulharia e recebermos um único comentário: Escócia e não “escócia”. A gente explica que sabe muito bem como se escreve, mas que na ansiedade de compartilhar foi o teclado que não entendeu o comando? E se disserem que você não sabe nada da história da Escócia?

Eu não culpo essa falta de frases, essa falta de malícia e um “hahaha” depois de piadas para comprovar que é engraçado. Mas culpo essa gente raivosa que habita a internet. Que desconta a fome no texto dos outros. Que desconta a falta de saco de permanecer no trânsito na falta do “c” de exército que você não escreveu. E que não escreverá mais. E que já que não saiu na palavra, este “c” caberia muito bem te mandando tomar no c*%#. A gente aprende a se defender, porém não.

Eu não lembro como a psicologia chama, quando descreve os papeis em grupo, aquele em que se deposita os anseios bons e ruins do grupo todo. Talvez seja radar, mas poderia ser pararraio. E não lembro se com o novo acordo ortográfico pararraio ficou assim ou se é pára-raio ou para-raio, e não quero consultar o google porque me dou o direito de não lembrar e de errar. Aquele que na internet se esqueceu que existe. E que, talvez, bem alimentado, você lembrasse que também costuma acontecer com você. E de que você fica belíssimo no look do dia, mas podia usar o espaço do texto para um pouco de texto. Que merece ser usado no espaço que lhe cabe e às vezes onde não lhe cabe também. Que nos faça refletir porque pensamos com palavras. Porque não conseguimos mais escrever um e-mail sem titubear. Porque não nos demos conta de que precisamos sobreviver a esse reflexo do nada. Da síndrome do cérebro oco que não sabe onde se encher de emoção.

Muita Cláudia pra pouca cadeira

Quem não se sobressair vai ficar sem lugar para sentar e, por isso, ofereço um pequeno manual das poltronas confortáveis, baseado apenas em observação empírica dos acontecimentos.

Você vai lá nas primeiras entrevistas de emprego e recorre aos outros para saber o que querem que você seja daquilo que você tem que ser que se aproxime do que você é. Assim, logo ganha a lista:

- três qualidades ------» Ah, só conto história e vantagem. A terceira te mando por e-mail.

- três defeitos: -------» Sou linda e perfeccionista. Que horas são?

- como você se vê daqui a 5 anos -------» Não cabendo na calça DINS.

- alguma situação em que você se sobressaiu -------» ToUrO MeCâNiCo.

- por que escolheu esta profissão --------» Porque tem todo um glamour.

UM SONHO: fazer isso um dia.

A profissional e você estudaram 4 anos para sua vaga de emprego valer uma gincana de rapidinha com a Xuxa.

Porque queridos, com essas perguntinhas e meu currículo, elas nem sonham que eu quebro todos os objetos da mesa no trabalho quando alguém faz alguma coisa errada. Com direito a pratos voadores na parede e também portarretratos (ficou assim com o novo acordo ortográfico, não posso fazer nada).

E nem entraremos na questão das dinâmicas de grupo porque também não podemos fazer nada se quem prepara as atividades sofreu bullying na escola.

Entre questionamento interno sobre o que será que esperam que eu fale ou como o que eu vou falar indica que tenho o perfil para a vaga, foram necessários alguns anos de observação para perceber que o que você realmente precisa é ter jogo de cintura. Eu simplesmente amo quem tem - de sequestradores a executivos.

Acho que deveriam ensinar, obrigatoriamente, como disciplina na escola a ter jogo de cintura e também a entender ironias e a interpretar textos - importante.

E eu não usei o exemplo de sequestradores em vão, uma vez que eu tenho um quase-sequestrador preferido. Naquela onda de falsos sequestros em que ligavam para as casas para pedir resgate do filho, eis que alguém se sobressai.

- Alô? A gente tá com a sua filha e se você....

- Minha Filha? Aé? Então qual é o nome dela?

- O NOME DELA????? O NOME DELA É...PRESUUNTO!


Contratado.





ps.1: quem só conta história e vantagem ~~~ @caroladdario

ps.2: sequestrador que amamos fingiu sequestrar ~~~ @camilaguidelli




Consequências do isolamento de soldado

Voilà! É essa a expressão para quando se tem a ideia brilhante de fazer isolamento de soldado. Sim, vejam só. A vida está monótona, então o que vamos fazer? Tomar um banho frio, encontrar os amigos e sugerir um karaokê?

Não. Vamos mudar de país.

Pausa dramaticamente exaltada. Gente, isso adianta. Eu lá nos meus 16 anos resolvi morar nos Estados Unidos alone by myself na esperança de encontrar um lar para chamar de meu, mesmo que temporariamente. Eu queria ver de perto que teria para sempre refil de refrigerante mesmo se virasse um baiacu em pleno restaurante. Iriam ser meses desafiando a mim mesma que estaria segura da terceira guerra mundial, se passasse ilesa pelos corredores da High School.

É uma estranha sensação de não saber o que fazer consigo mesma e de ter que se encontrar com horário marcado. E você se encontra. E volta e vê que o Brasil continua intacto mesmo que jurem que um dia fomos grudados à África. Os anos passam e aquela experiência rende boas histórias e te dão forma, mesmo que a raça humana só se importe que você aprendeu inglês.

A vida fica novamente monótona, então o que vamos fazer? Tomar um banho frio, encontrar os amigos e sugerir um karaokê?

Não. Vamos mudar de país.

Quero ver quem vai me dizer que sou dramática. Mas agora era hora de explorar o velho continente. E você vai lá, firme e forte nesse encontro marcado com sua própria face.

Mas pessoal, pensem bem, eu já me recebi em visita por seis meses duas vezes. E vocês não podem calcular o que isso faz com uma pessoa. Isso porque nessa segunda vez, eu já nem queria saber de mim mesma. Eu me recebi me deixando para trás. Eu queria era receber a visita de outra pessoa para poder mostrar que eu tinha visto as flores atrás da faca em Guernica.

De que adiantaria mostrar para mim mesma? Eu vendo aquelas coisas todas e tirando foto com medo de que minha memória não desse conta e ao mesmo tempo p da vida com essa companhia de migo mesma, que andava com uma cara sonsa atrás de mim.

Porque quem já dividiu alguma coisa na vida só vai querer saber do que chamam de necessária solidão naqueles minutos em que se arruma para mais tarde dividir.
São coisas do isolamento de soldado em que você precisa estar, assim, sozinha no cinema assistindo “Entrando numa fria maior ainda” para aproveitar o único diálogo profundo do filme, em que um dos personagens fala que viajou tanto e que não sabe onde é seu lar – para obter a resposta a si mesma – seu lar está dentro de você.

E você até entende e aceita. Mas sabe que nem uma mulher tomando forma de tatu bola no cirque du soleil seria tão surpreendentemente surpreendente se você não tiver com quem contar o trocadilho tão elaborado que bolou em segundos e esperar a gargalhada alheia. E que essa pessoa não pode ter só a forma de gente; ela precisa ser para você alguém.

Em uma viagem sozinha eu vi a placa “Follow your nose you’re very close” indicar a flecha para uma ruazinha estreita e não fui. Talvez porque estivesse realmente escuro para se atrever a andar pela ruazinha. Talvez porque eu já quisesse me despistar.

Minha estranha relação

Daí a gente vai lá e inventa umas coisas.

Comprei o último livro do Saramago, "A viagem do elefante", antes de fazer minha viagem para Portugal. Achei que era simbólico escolher o autor português que tanto gosto, o tema principal ser uma viagem e deve ter passado pela minha cabeça que eu seria o elefante.

Conexão mais básica aprendida na escola em ligar um lado de coisas ao outro.

Abri o livro antes de viajar e tinha uma epígrafe (frase do começo de emocionar até brucutu) "Sempre chegamos ao sítio onde nos esperam, Livro dos itinerários". Pronto.

"Que lindo" "Esse sítio me espera". Mas assim, a ligação foi tanta que eu tinha certeza que o elefante Salomão chegaria no seu destino, quer dizer, que eu leria essa parte quando tivesse chegando no meu.

Pensamento de quem assistiu Jumanji na infância. Lucas Silva e Silva também.

Acontece que as coisas foram piores do que o previsto. Além de alimentar tal sinergia com o Salomão elefante durante seis meses, a viagem acabou e eu nunca conseguia acabar de ler.

Já voltei, já dava até para ter ido de novo; vejam o tamanho proporcional do aumento da nossa relação.

Eis que alimentando, qualquer coisa cresce. E passado um ano que cheguei, tenho medo de saber onde Salomão vai chegar. Porque o sítio aonde me esperam não é mais aquele que eu esperava, entende?

Bom, Saramago morreu, Salomão a essa altura do livro já mudou de nome para Solimão, já andou um bocado, já morou em Portugal, mas agora caminha ao seu destino final.

O problema é que após ter dado um gás na leitura das páginas eu travei de novo. Seja lá qual for o fim de sua jornada Solimão, que fique bem claro que eu posso rir e dizer:

Essa não deu, mande outro sinal. E aí tudo que li não vai valer de nada, porque APERTEI ESPAÇO E O POST SUMIU BEM NESSE PONTO, COM ALGUMAS PALAVRINHAS A MAIS QUE NÃO DEVE TER DADO TEMPO DE SALVAR AUTOMATICAMENTE.

EU JURO POR TUDO QUE É MAIS SAGRADO. MUDEI DE IDEIA. ESSE SINAL VALEU, SIM.

BEIJOS
Toda vez que deito na cama acordada me pergunto se você também está deitado na cama acordado e pensando naquelas dores nas costas que um dia você me contou e logo mudou de assunto.

Eu quis te dizer que eu também tinha algumas dores, mas logo falávamos de outra coisa. Como agora que te escrevo para te dizer que você está em várias coisas do meu dia e que muitos dos meus trabalhos acontecem devido ao seu conhecimento. Porque eu sempre admirei o modo como você, quase quieto, falava sobre uns devaneios.

Uma coisa assim com medo do que pudesse suceder e de como você estaria por aí, tão vulnerável à boca dos outros.

E aí lembrei que nunca tive a oportunidade de te dizer que eu amo como não tenho que te dizer nada, porque você não acha nada sobre mim, só porque eu fui.

Comemos pêssego um dia juntos e eu vim te dizer que ontem, ontem mesmo, pensei que seus trabalhos artísticos foram os mais lindos que já vi. E que se dane o que você já fez.

Se voltar, eu entenderei seus devaneios. Esse mundo de hoje manda uns sinais esquisitos e toda a gente acha normal ficar normal e usar estes meios de propagação rápida para liquidar a sanidade alheia de vez.

Se você quiser um dia sentar no parque, e a gente fingir que só quer ver os cachorros passar e depois arremessar a bola na cesta de basquete, eu quero ir.

Com amor,


Let it snow.